quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

O Estrangeiro


Houve um tempo em que vagávamos livres pelas ruas, quando as preocupações diárias não passavam de monstros no armário e ameaças do porvir. Era um mundo de coisas simples e verdades eternas. Não era um mundo de felicidade, mas tínhamos a força da imaginação para enfrentar as fúrias e os dragões.

Esses foram dias em que a felicidade era apenas um sonho entre tantos que estávamos construindo sobre as dores do dia-a-dia.

Houve um tempo em que as dores eram maiores que a magia e já não éramos tão fortes para subjugá-las como antes. Eram novos tempos, onde a realidade crescia e tomava outros feitios, mas ainda éramos capazes de vivê-la e de usar a nossa força para transformá-la. Era tempo de sofrer e de descobrir no sofrimento uma outra forma de sentir.

E esses foram dias em podíamos ter sido felizes.
Depois houve um tempo em que o próprio tempo pareceu parar. E já não tínhamos nem a fantasia nem a dor nem a inquietude para enfrentar o mundo. Rotina e falta de sonhos. E a vida passando por nós com sua indiferença que beira a impiedade. Já não sentíamos, não desejávamos. Vivíamos, apenas, sobre os escombros do que deveria ter sido a nossa felicidade.

E esses foram dias em que a felicidade nos visitou. E a deixamos partir.

Mas a barca da vida leva a portos estranhos. Uma pequena brasa no meio das cinzas reacende a fogueira e nos vemos de novo vivos. Nos encontramos então como estrangeiros em um novo mundo, reaprendendo a viver, buscando construir outros sonhos em terras que não nos pertencem.

E esses são dias em que a felicidade se mostra entre espelhos e já nem sabemos o que é real.


(Publicado originalmente em em 05.12.2006 em konohito.blogger.com.br)

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