Havia magia naquela manhã de domingo -ou talvez fossem apenas os metabólitos do álcool da noite anterior que ainda circulavam no meu sangue e teriam aguçado minha sensibilidade- , mas o fato é que quando abri a janela do apartamento, do outro lado da rua eu avistei a menina mais linda do mundo.
Não vou dizer que naqueles poucos instantes em que lhe invadi a privacidade, algo envergonhado, possa ter analisado cuidadosamente todos os detalhes de sua anatomia. Tampouco quero fazer crer que a comparei em algum maravilhoso banco de beldades, perdido entre meus neurônios, com todas as mulheres lindas que já passaram diante de meus olhos. Mas a certeza que tive de que ela era a mais linda do mundo foi tão instantânea e tão certa que não pode haver dúvida: eu realmente estava olhando para a menina mais linda do mundo.
Ela devia estar aí nos seus 13, 14 anos, talvez mais. E era loira, mas seus cabelos tinham uma tonalidade meio acastanhada, dessas que só podem ser verdadeiras, já que as loiras artificiais sempre procuram os tons mais delirantes.
Ela devia estar aí nos seus 13, 14 anos, talvez mais. E era loira, mas seus cabelos tinham uma tonalidade meio acastanhada, dessas que só podem ser verdadeiras, já que as loiras artificiais sempre procuram os tons mais delirantes.
Enquanto eu a espiava discretamente da minha janela, ela esperava o ônibus na parada que fica bem em frente ao meu edifício. Acho, se isso fosse possível, que ela teria ficado ainda mais bonita se o horário fosse mais cedo, com o sol mais dourado lhe atingindo bem de frente. Mas nem por um momento a chuvinha rala que caía toldou a sua beleza crua. Sim. Porque ela tinha uma beleza que não era forçada -até diria pura, não fosse tão gasta a palavra.
A menina mais linda do mundo estava vestida com uma blusinha preta e um shortinho jeans, muito curto. Tão curto que não deixava apenas suas coxas bem expostas mas, na posição em que sentava no batente, curvada sobre as próprias pernas, deixava o risco branco de sua calcinha aparecendo. Mas nem por isso se tornava vulgar, nem sexy. Era mais como uma criança que se acocora para brincar e nem se importa que sua calcinha esteja à mostra.
Nos poucos instantes em que me permiti contemplá-la, assustado com qualquer movimento meu que pudesse trazer os seus olhos em minha direção, pude ver que tinha lábios carnudos e que os olhos pareciam um pouco apertados, ressaltando o seu ar blasé. Pelo menos me pareceu blasé àquela distância, embora eu não possa garantir se seria recebido com um olhar de entediada curiosidade ou com a cara enfezada de quem foi arrancada da cama antes da hora.
Tudo o que posso afirmar é que a menina mais linda do mundo tinha um ar juvenil que transpirava. Possuía uma espécie de energia que não saltava em faíscas, mas que era antes uma espécie de potencial elétrico contido, naquele ar de desligamento, de aparente desatenção pela manhã de domingo que fluía ao seu redor. A menina mais bonita do mundo era apaixonante somente por ser.
De repente, ou talvez fossem os tais metabólitos do álcool, me senti como se eu estivesse olhando para a própria juventude. A juventude do mundo. A juventude dos tempos. E isso me trouxe uma tremenda tristeza, um aperto no peito, uma saudade esquisita. Mas eu, não sei porquê, não chorei.
(Escrito em 19/20 de dezembro de 1999. Publicado originalmente em UniverSolino.com, em 2002.)
2 comentários:
Muito bons os seus textos! Porque parou? Parou por quê?
obrigado. na verdade, não parei, mas acho que estou indo tão devagar que pareço parado ;)
espero retomar esse blog com mais assiduidade a partir deste mês ou do outro.
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