quarta-feira, 26 de janeiro de 2011


Ninguém pode dizer que eu não busquei a Deus.

Muitas e muitas vezes bati à porta da casa do Senhor. Ele nunca estava.

Ou mandou dizer que não estava.

Um dia, cansado, desisti. Mas deixo a porta da minha casa sempre aberta, se um dia por acaso Ele resolver aparecer.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

No salão azul



Era um jogo entre os dois. E ele já tinha jogado esse mesmo jogo várias vezes, com várias delas.

Seu lance era estudado, pensado, cauteloso. Sabia que não poderia partir para um lance direto, uma aposta de tudo ou nada. Cacife baixo, é preciso ir com calma.

Fez uma jogada sutil; parecer que ia por outro caminho, nenhum interesse à mostra. Jogou como quem apenas avança uma casa, faz um descarte de rotina, arrisca um número qualquer.

Mas ela era mulher. E reagiu como rainha da sutileza.

Como quem nem percebeu a jogada, num lance rápido desmanchou toda a sua manha, sua estratégia de bicho miúdo.

E ele entendeu que perdera. Como perdera outras vezes. Com várias delas.


(Publicado originalmente em 13.06.2006, em konohito.blogger.com.br)

Irmão lobo



E de dentro do lobo, o Homem tirou o cão. E do cão fez muitas raças.

E fez as raças grandes e as pequenas, as mansas e as ferozes. Pois do lobo o Homem tirou o galgo e o mastim, o pastor belga e o buldogue, o pinscher e o terrier. E tirou o beagle, o terranova, o dinamarquês e o de Pequim. Tirou pastores e cães de guarda, cães de fila e de companhia, apontadores, boieiros e sabujos.

E tirou o akita e o daschshund, o poodle e o rottweiller; o pequeno chihuahua e o elkhound; o cocker spaniel, o cão maltês e o grande São-Bernardo. Tirou o boxer e o ovelheiro gaúcho. Tirou o collie e o landseer, o braco alemão e o cão de água português.

E todos eles moravam no lobo. E todos eles o Homem tirou de lá.

E nunca mais esteve só.


(Publicado originalmente em 26.06.2006, em konohito.blogger.com.br)

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A Dor


As nuvens estavam gordas e escuras. Andavam lentas pelo céu, onde a tensão inexplicável parecia fazer o ar crepitar.

Um flash de relâmpago iluminou o mundo, mas foi um som de montanhas desabando que rompeu a calma que já estava por um fio.

Respondendo ao trovão, as nuvens se romperam e fizeram descer uma água grossa e ruidosa que rolou pelas ruas e molhou as casas e escureceu ainda mais o dia.

Aquele choro rasgado durou muitas horas e, quando por fim se desfez numa chuvinha rala e simpática, fez surgir um mundo novo, limpo, de alma lavada, sem pecados nem crimes.


(Publicado originalmente em 21.03.2005, em konohito.blogger.com.br)

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Sombra preta


O ciúme entrou como um miasma pelas frestas da porta e invadiu tua sala, teu quarto, teus pulmões.

Seu odor acre ardeu dentro de ti e trouxe um gosto ruim à tua boca.

Mas o ciúme não te fez injetados os olhos, não afiou as tuas unhas nem reclamou o sangue que as traições cobram como tributo.

Pois o ciúme não se fez em ira.

O vinho não virou vinagre mas o ciúme, como um santo ao contrário, o transformou em água e foi como se um ar novo invadisse a casa e arejasse a tua alma e te deixasse em paz.


(Publicado originalmente em 08.01.2005, em konohito.blogger.com.br)