Ele nem lembrava mais há quanto tempo usava aquele bigode. Nem sequer sabia por que o deixara crescer. Talvez para fazer o visual machão da época. Talvez para esconder alguma cicatriz.
Como era seu rosto sem bigode? Sempre lembrava dele assim, por trás daqueles pelos escuros. Não tinha muitas fotos. E em todas tinha bigodes.
Os amigos brincavam com ele. Falavam que bigode era coisa de gay; no máximo, coisa de metrossexual. Mas ele não ligava. Por que não arriscava tirar o bigode? Ficaria mais jovem, possivelmente. Ficaria mais clean.
No fundo ele também se perguntava por que não arriscava. Bigode cresce bem rápido. Se não gostasse do que visse, era só deixar crescer de novo.
Um dia a curiosidade foi maior do que o medo. Não se preocupou com a cicatriz, com a imagem, com o que iriam pensar. Tirou o bigode. Queria ver quem estava ali detrás. Queria ver quem era esse outro que se escondia por trás daquele antiquado ornamento facial.
E veio o choque. Por trás do bigode estava ele! Mas um outro ele. O ele que ele queria esquecer.
Não soube suportar o choque de se ver no espelho, o duplo de outra pessoa que era, mas ao mesmo tempo não era, ele.
Dois dias depois cometeu suicídio.
Isso foi o que todos pensaram. No fim, só ele mesmo sabia que a verdade era outra: ele matara o intruso.
(Publicado originalmente em 19.01.2005, em konohito.blogger.com.br)